A necessária modernização da lei de insolvência brasileira

A reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, representada pelo PL n. 6.229/05, foi aprovada na Câmara dos Deputados na noite desta quarta-feira (27/08/20)

Autor: Diego NielsFonte: O Autor

A reforma da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, representada pelo PL n. 6.229/05, foi aprovada na Câmara dos Deputados na noite desta quarta-feira (27/08/20), prevalecendo o texto original apresentado pelo relator do projeto, deputado Hugo Leal (PSD/RJ), com a rejeição de todos os destaques apresentados.

As alterações dizem respeito tanto a questões pontuais já consolidadas pela jurisprudência, como inovações trazidas de outras legislações, e ainda, atualizou os procedimentos as novas realidades tecnológicas, com a ideia de desburocratizar todo o procedimento, como por exemplo, a realização de deliberações, editais e leilões de forma eletrônica.

No que diz respeito a recuperação judicial, foi criada a possibilidade de apresentação de um plano de recuperação por parte dos devedores, desde que o plano da devedora tenha sido rejeitado. Também houve uma melhor definição quanto a figura do voto abusivo, por muitas vezes utilizados por credores que tenham uma situação mais privilegiada, e assim, não têm interesse na restruturação do negócio.

Uma das mais relevantes alterações no instituto da recuperação judicial diz respeito quanto ao crédito concedido as empresas que ingressam com o pedido. Conhecido na legislação americana como DIP Financing (debtor in posession) nada mais é do que a preferência do recebimento do crédito ou do bem em caso de convolação da recuperação judicial em falência.

A maioria dos casos das empresas que ajuízam o pedido de recuperação existe a necessidade de dinheiro novo, de forma que seja possível fomentar suas operações diárias. Essa modalidade poderá dar um maior folego para as devedoras, melhorando até as condições da negociação com seus credores.

No que diz respeito ao pedido de recuperação extrajudicial, também houve significativas alterações, como por exemplo, a possibilidade dos créditos trabalhistas se sujeitarem ao pedido, desde que haja uma negociação coletiva com a representação do sindicato da categoria. O quórum de aprovação do plano também foi reduzido, passando de 3/5 (60%) dos créditos de cada espécie, para mais da metade (50%).

Outra importante alteração na legislação diz respeito aos créditos tributários. Ainda que os mesmos estejam fora do alcance dos efeitos do plano de recuperação, houve significativa alteração, de forma que a Fazenda possa efetivamente dar a sua contrapartida para que a empresa em recuperação consiga equacionar seus débitos.

Foram criadas novas modalidades de parcelamentos, com parcelas que vão até 120 meses, o dobro do prazo do parcelamento ordinário, e com pagamentos progressivos, iniciando-se nos primeiros 12 meses com 0,5% da dívida. Outra possibilidade seria a utilização dos prejuízos fiscais anteriores (até 30%), com pagamento do saldo em até 84 parcelas, também de forma escalonada.

A última modalidade de parcelamento prevê a possibilidade de transação do crédito tributário, também com prazo máximo de 120 meses para pagamento, mas com hipótese de redução de até 70%, dependendo de juízo de conveniência e oportunidade da Procuradoria da Fazenda Nacional.

Por outro lado, foi inserido um dispositivo de duvidosa legalidade, quanto a possibilidade da fazenda requerer ao juízo a convolação da recuperação judicial em falência, em caso de descumprimento do parcelamento especial, ainda que o passivo tributário não se sujeite aos efeitos da recuperação judicial.

Com relação a incidência dos tributos sobre os descontos (deságios), a nova lei prevê regras diferenciadas para sua quitação. Em síntese, houve isenção da tributação das Contribuições ao PIS e da Cofins e a possibilidade de aproveitamento de prejuízos para quitação do Imposto de Renda e da Contribuição sobre o Lucro.

Quanto ao processo de falência, as alterações foram no sentido de conferir maior celeridade ao processo, de forma que haja uma maximização do valor dos bens e consequentemente o aumento da taxa de retorno do crédito. Assim, decretada a falência, o administrador judicial nomeado deverá promover a venda dos ativos no prazo máximo de 180 dias.

Houve um aprimoramento nas avaliações dos ativos, com redução das hipóteses de impugnação dos valores, e a agora, a alienação será realizada mediante leilão eletrônico, extinguindo-se conceito de “preço vil”. As regras de sucessão também foram melhoradas de forma que haja maior segurança para o arrematante.

A grande novidade do processo falimentar, e talvez uma das mais importantes, diz respeito ao encerramento da falência. Trata-se do chamado fresh start, em tradução livre, o novo começo. Assim, o empresário que tiver sua falência decretada, sem bens suficientes para liquidar o passivo, poderá ter seu “novo começo” no prazo de 3 anos.

E por último, foi introduzido um capitulo da falência transnacional ou transfronteiriça, com base no modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (United Nations Comission International Trade Law – UNCITRAL), que diz respeito a cooperação internacional entre jurisdições estrangeiras, de forma que venha a desburocratizar estes atos entre as mesmas.

Logo, ao que tudo indica, além das necessárias alterações na legislação de insolvência quanto aos aspectos técnicos, a atualização dos institutos da recuperação judicial e da falência devem conferir as empresas uma ferramenta mais eficiente na recuperação do crédito, com maiores garantias, e por outro lado, para as empresas que estão em situação de crise, uma possibilidade ainda melhor de se reestruturar.

*Diego Guilherme Niels – Advogado, sócio do Wilhelm & Niels Advogados Associados. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/SC. Integrante do Grupo Permanente de Aperfeiçoamento de Insolvência – GPAI.